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Orgulho crespo valoriza a identidade negra

Mulheres buscam representatividade ao deixar cabelo natural

por Fernanda Costa

A Marcha do Orgulho Crespo celebrou a sua terceira edição em agosto de 2017. O movimento vai além da representatividade que o cabelo crespo traz. A Marcha busca fazer com que a sociedade reflita sobre questões raciais, preconceito, valorização da identidade negra, resgate histórico da cultura afro-brasileira e os padrões estéticos. Tudo sob a livre expressão do cabelo natural. Em 2015, a marcha aconteceu pela primeira vez em São Paulo e teve como organizadores o Blog das Cabeludas e o Hot Pente.

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É cada vez mais frequente a aceitação do cabelo crespo  como forma de valorização e representatividade. Os cabelos cacheados foram historicamente intitulados como feios, bagunçados, sem forma e difícil de cuidar. Essas atitudes geraram estereótipos ao longo dos anos, desvalorizando a identidade do negro, estabelecendo apenas aspectos da etnia branca como padrão para o belo.

Muitas mulheres cresceram ouvindo da própria família que o correto era esconder seus cabelos. A estudante Andressa Esteves, de 30 anos, relata que o preconceito esteve presente dentro da sua própria casa. “Sempre tinha que estar de cabelo preso e com tranças, a maior parte das vezes”, disse. Após dez anos de alisamento, Andressa exibe hoje seu cabelo natural e afirma que sempre gostou dele cacheado.

Andresa apresenta seus cabelos com alisamento e ao natural. Foto: Fernanda Costa
Andresa apresenta seus cabelos com alisamento e ao natural. Foto: Fernanda Costa

O método de alisar os cabelos começou a ser mais frequente entre as mulheres brasileiras a partir da década de 1980. Relaxamento, escova progressiva e amaciamento estão entre as principais técnicas. Um dos produtos usados para o alisamento é o henê, que possui em sua fórmula o pirogalol e alguns sais metálicos. Esses componentes são incompatíveis com outros tipos de alisantes, como a guanidina, que podem causar queda capilar e danos irreversíveis, caso sejam misturados.

“De certa forma foi um desejo meu, pois sempre achei os cabelos lisos lindos”, diz a estudante Glenda Isllossy, de 27 anos. Esse pensamento pode ter sido desenvolvido, porém, por causa do preconceito que sofreu desde a infância com os familiares e os colegas da escola. Em 2016, Glenda chegou a ficar seis meses na transição capilar, período em que a mulher decide parar com o alisamento químico e o cabelo começa a crescer natural. Algumas chegam a ficar até dois anos na transição capilar para então realizar o big chop (grande corte), o que significa radicalizar cortando toda a parte lisa e deixar apenas o natural.

“Meu cabelo era encaracolado, as pessoas achavam ele lindo. Hoje, eu confesso que sinto falta do meu cabelo, mas eu me sinto bem com eles alisados também”, revelou Glenda.

Voltar às origens ou voltar aos cachos, para muitas mulheres, significa uma etapa difícil e dolorosa. A maioria começa desde muito cedo a alisar o cabelo e essa nova aparência passa a ser parte da sua vida. A transição capilar se torna difícil quando o cabelo começa a criar forma, seja cacheado ou crespo, ficando então praticamente impossível achar um meio de mantê-lo arrumado. A servidora pública Carmozina Gomes, de 25 anos, aponta alguns obstáculos que encontrou durante a transição capilar, como a dupla textura e a finalização.

“É um pouco complicado esse período, o cabelo fica com duas texturas e isso incomoda um pouco. As dificuldades maiores eram finalizar o cabelo, pois uma parte ficava cacheada e outra não, e por conta disso eu fazia escova. Depois de um tempo, cortei toda a parte alisada”, confessou Carmozina.

A estudante Thalia Paz sofre preconceito por causa do seu cabelo, mesmo com a pele clara. Foto: Fernanda Costa
A estudante Thalia Paz sofre preconceito por causa do seu cabelo, mesmo com a pele clara. Foto: Fernanda Costa

Entre os vários casos de preconceito sofridos ainda na infância, o principal local em que ocorrem esses acontecimentos é no meio familiar e na escola. Na fase adulta, aparece o local de trabalho como espaço para apelidos e brincadeiras considerados inofensivos por quem os pratica. Essas práticas, contudo, geram insegurança e medo em quem sofre delas. Muitas pessoas de origem afrodescendente não aceitam suas verdadeiras características, apresentando uma depreciação de si mesma, transmitindo até certa revolta para outras pessoas.

Com a grande miscigenação de raças no Brasil, muitas pessoas de pele branca também possuem características da etnia negra, como nariz, boca e cabelo. Um exemplo é a estudante Thalia Paz, de 19 anos, que tem seus cabelos cacheados. “Sofri preconceito na escola, onde recebia apelidos pejorativos como ‘pixaim’ e ninho de guacho, pelo fato de ter pele e olhos claros”, lamentou a estudante.

O discurso carregado de ódio e preconceito causa uma situação de opressão racista contra negras e negros, segundo Zizele Ferreira, coordenadora do Coletivo Negro Universitário e integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Por isso, aponta a importância de discussões sobre as questões identitárias.

 

“As pesquisas científicas voltadas à temática racial demonstram que as noções de alteridades que um negro e uma negra têm é que vai despertá-los para reconhecer-se como parte, sim, da construção da sua identidade, seja em uma postura diante do espelho e da sociedade, ou seja de um movimento político”, afirmou Ferreira.

Dentro de um processo de aceitação pessoal e social, as mulheres ganham visibilidade a partir da sua própria valorização de identidade e livre expressão do cabelo natural. O empoderamento das mulheres, sobretudo das negras, contribui para uma diminuição das opressões existentes por causa, por exemplo, dos cabelos crespos.

A aceitação do cabelo natural, para Zizele Ferreira, também é uma forma de valorização de saberes e resgate histórico. “A arte de trançar, de pentear, de trabalhar as amarrações com tecidos, por exemplo, é milenar e importante; diz respeito ao seu resgate, à sua ancestralidade”, explicou.

Morcegada

Site jornalístico supervisionado pelo professor e jornalista Allysson Viana Martins, vinculado ao Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

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